Porque os empreendedores têm vencido essa batalha? Qual foi a última nova marca de sucesso que chamou sua atenção no setor de consumo?
- SuperCoffee, a bebida a base de café que faturou R$160 milhões ano passado?
- Pura Vida, a marca de suplementos adquirida pela Nestlé esse ano?
- Bold, Trento, Flormel e tantas outras tentando reinventar o mercado de snacks?
Boas chances de você ter pensado em alguma dessas ou similares. A questão mais instigante é: o que elas têm em comum?
Todas foram lançadas por empreendedores, focadas em nichos de setores dominados por grandes indústrias, que apesar do capital e experiencia no setor não conseguiram capturar essas oportunidades.
O objetivo desse artigo é destrinchar esse fenômeno e trazer dicas que possam ajudar empreendedores a fortalecer suas marcas e executivos da indústria a revitalizar sua linha de produtos.
Antes de você investir 10 minutos do seu tempo nesse artigo, um breve contexto: escrevo sobre o assunto porque vivi esse desafio na prática e acredito ser a maior mudança no mercado de bens de consumo em décadas. Trabalhei durante 20 anos como executivo de marketing em grandes empresas e descobri como é difícil para os gigantes entenderem e se ajustarem a essa dinâmica.
Montei uma área de inovação baseado em metodologias ágeis numa grande multinacional, e percebi que dá pra ser muito mais ágil, eficiente e criativo tentando operar com uma mentalidade de startup. Mas os desafios culturais pra acelerar um transatlântico impedem replicar o modelo com todo seu potencial. Tenho mentorado dezenas de startups de consumo pra entender como os fundadores operam, quais seus principais desafios e acumulando aprendizados que hoje não estão disponíveis na literatura de negócios de maneira simples e aplicável. Esse contexto me levou a co-fundar a Emerge Ventures. Investimos em marcas de bens consumo ajudando empreendedores a destravar o potencial do negócio através de capital, gestão e conexões.
Com uma visão privilegiada e abrangente sobre o tema, o objetivo desse artigo é dividir um pouco desses aprendizados com um público mais amplo.
Mais do que uma lista exaustiva, essas dicas servem como pontos de reflexão que possam encurtar essa jornada e evitar erros previsíveis.
1. Navegue fora do radar
A primeira grande escolha de qualquer fundador é onde jogar: qual categoria, qual a proposta de valor, para qual cliente, através de qual canal.
Uma vantagem estrutural de novas marcas é a proximidade com os consumidores pra encontrar um espaço que, a princípio, seja pequeno demais pra despertar o interesse da grande indústria.
Nesse processo, nada é mais importante do que entender o comportamento do consumidor de maneira quase obsessiva. Como consome, porque consome, com quem consome, quais as alternativas, etc.
Nada substitui o contato direto com o consumidor nessa fase. Produtos nascem da intuição do fundador, marcas emergentes nascem da escuta ativa dos seus consumidores fiéis.
Essa janela de oportunidade navegando fora do radar é chave pra desenhar a proposta de valor e experimentar diferentes hipóteses até encontrar uma pequena base de consumidores fieis que vai ser chave no processo de escalada futuro.
2. Diferenciação é mais importante que saliência
Um dos conceitos centrais do marketing tradicional em bens de consumo é o de saliência: a facilidade com que uma marca vem a mente em uma situação de compra.
O processo de compra de uma marca de consumo é de baixo envolvimento e na maioria das vezes são poucos segundos pra decidir, seja no ponto de venda ou em um marketplace.
Nesse contexto, o modelo tradicional foca em comunicação de alta frequência e distribuição massiva, porém é um processo muito caro e cada vez mais ineficiente com aumento dos custos de mídia e redução das audiências.
Para uma nova marca, é muito mais eficaz ser diferente. Investir tempo na fase inicial de interação com o consumidor (navegando fora do radar) pra testar e validar uma proposta de valor diferenciada e que resolva as necessidades não atendidas de um nicho.
Oferecer algo diferente é o que permite você ser notado nesse mar vermelho de competição e, principalmente, ativar recomendação boca a boca dentro do nicho, aumentando consideravelmente as chances de experimentação.
Mas esse caminho tem um desafio: equilibrar diferenciação com relevância. Ser diferente é fácil, o difícil é fazer isso mantendo relevância pra um grupo mínimo de consumidores que justifique a existência de um negócio minimamente saudável em termos de margens.
3. Encontre uma mensagem chave (sim, somente uma)
Encontrou algum diferencial relevante? Parabéns, mas de nada adianta ter um diferencial complexo que só funciona se você explicar seu produto numa demo com o consumidor.
Traduzir o diferencial de maneira simples e direta em todos os pontos de contato com o consumidor é o “hack” que aumenta suas chances de ser notado no local de compra e facilita o trabalho dos primeiros fãs em espalhar a mensagem para seu grupo.
Todos já devem ter visto novas marcas, principalmente em produtos saudáveis, com uma lista interminável de benefícios na embalagem: sem glúten, sem corantes artificiais, sem açúcar adicionado… Uma lista interminável de benefícios só deixa o consumidor em dúvida sobre do que se trata o produto e o que ele resolve.
Um bom exemplo é o caso da marca de sorvetes Halo Top. A proposta original de ser um sorvete com melhor perfil nutricional patinou até descobrirem com sua base de usuários mais fiel que o motivo principal de compra era o surpreendente fato de ter cerca de 300 calorias por pote vs. mais de 1000 das marcas tradicionais.
O negócio só decolou quando decidiram dramatizar essa mensagem chave na embalagem e colocar todas as outras mensagens em segundo plano.
4. Memorabilidade importa mais que capital
Memorável: inesquecível, digno de ser lembrado.
Não dá pra competir com a máquina publicitária e de distribuição das marcas já estabelecidas. A outra rota é focar em criatividade pra aumentar suas chances de ser lembrado.
Um dos casos recentes mais emblemáticos pra ilustrar o conceito é o da Liquid Death, marca americana de água que tem uma linguagem visual no mínimo inusitada.
Essa estética inspirada no heavy metal é bastante polarizante, porém é inegável que num mar de garrafas azuis transparentes em uma gondola é quase impossível não notar esse item exótico.
O que a primeira vista pode parecer apenas um marketing de choque, é na verdade a execução de um insight poderoso: uma marca de água que se comporta como uma marca de energético.
Você pode não gostar, mas é difícil passar batido por ela. E com mais de U$100 milhões de faturamento no último ano parece estar atraindo gente suficiente numa categoria historicamente difícil de se destacar.
5. Autenticidade é chave e dificulta a replicação
Tentar se diferenciar somente em produto é um convite para ser copiado. E se você entrar no radar de uma grande marca com dezenas de pessoas na área de pesquisa e desenvolvimento a história tende a terminar mal.
Agora, entender profundamente uma base inicial de consumidores e estabelecer um relacionamento genuíno com eles te ajuda a construir algo mais complicado de copiar: autenticidade.
Transparência na comunicação e principalmente velocidade pra fazer escolhas difíceis que ressoem com seus clientes iniciais é algo que foge do modelo operacional do marketing de massa.
6. Construa uma tese de geração de demanda
Geração de demanda é um nome complexo pra algo simples: como estimular seus potenciais consumidores a conhecerem e comprarem a sua marca.
Marketing de comunidade, afiliados, influenciadores, search, ads, PR, degustação, eventos… A lista de táticas de geração de demanda para tornar sua marca conhecida e gerar experimentação é praticamente infinita.
Porém é muito fácil se perder nas táticas e dividir o pouco recurso disponível atacando muitos flancos.
As melhores marcas combinam um pensamento estruturado levantando hipóteses de como o consumidor pode descobrir sua marca, a flexibilidade para testar experimentos com rapidez e baixo custo, e a criatividade de execução e investimento concentrado nos canais validados.
Essa mentalidade um pouco mais cientifica focada em hipóteses, experimentos e validação que geram recompra é muito útil para encontrar canais de geração de demanda mais eficientes e eficazes.
7. São 4Ps, não apenas produto
Agilidade e experimentação no composto de marketing é um dos maiores trunfos sub-utilizados por fundadores de novas marcas.
O viés natural é olhar para o produto. A maioria das histórias de origem de novas marcas começa com a obsessão do fundador em preencher um gap no mercado, e o comportamento natural é seguir pensando em produto prioritariamente.
Porém, algo impossível para grandes marcas replicarem é a velocidade de testar diferentes elementos do composto de marketing, simplesmente porque a complexidade operacional de grandes empresas não permite que um transatlântico mude de rota rapidamente.
Mudar o foco de atenção de produto para o consumidor é a melhor maneira de gerar hipóteses pra testar diferentes elementos do composto de marketing. Provavelmente não existe melhor tempo investido em fases iniciais de desenvolvimento de novas marcas.
8. Distribuição concentrada é chave
O modelo tradicional de lançamento de uma grande empresa é investir de maneira desproporcional em comunicação e distribuição massiva.
Já falei algumas vezes que esse modelo não funciona pra novas marcas.
A busca incessante por abrir novas portas tem dois problemas estruturais: a falta de recurso pra estruturar equipe comercial, construir estoque e capital de giro, e a baixa probabilidade que uma nova marca relativamente desconhecida funcione em múltiplos mercados ao mesmo tempo.
Concentrar recursos numa distribuição seletiva (seja canal, geografia ou até bandeira) nos locais que seu consumidor está, te permite construir conhecimento de marca, testar elementos de geração de demanda e medir performance com o intuito de aprender antes de expandir.
Um exemplo antigo mas relevante foi a entrada do sorvete premium Häagen-Dazs no Brasil, que passou um bom tempo presente com destaque na Blockbuster pra criar associação a uma ocasião de consumo relevante para a categoria e evitar a briga de preço no supermercado antes do consumidor entender a proposta da marca.
Ser um peixe grande num aquário pequeno é o caminho pra começar.
9. Velocidade de aprendizado é seu maior trunfo
A analogia mais tradicional pra refletir a briga entre marcas estabelecidas e marcas emergentes é a luta entre Davi e Golias.
Malcom Gladwell escreveu um livro completo sobre o tema (recomendado!), e explica que a diferença de forças acaba sendo um estímulo a inovação (fundamental tentar algo diferente ao enfrentar um gigante) e a resiliência (um filtro natural pra quem é louco o bastante de encarar essa briga).
Trago um terceiro elemento: além de inovação e resiliência, agilidade é a terceira vantagem dos pequenos ao enfrentarem gigantes.
Velocidade para aprender e rapidamente testar hipóteses é talvez a única coisa impossível de replicar pelos grandes.
O insight é obvio, o desafio é a execução.
Colocar tempo aprendendo e validando hipóteses com o consumidor pode parecer um luxo para empreendedores trabalhando jornadas longas, presos nas atividades operacionais e com a pressão de caixa batendo o tempo todo.
Resolver esse dilema diz muito sobre a capacidade dos fundadores de marcas emergentes. E aqueles que conseguem alocar tempo nisso tem uma vantagem desproporcional.
10. Foco, foco, foco
A última lição vale não somente para o processo de construção de novas marcas, mas principalmente para a gestão de novos negócios.
A grande maioria dos empreendedores acredita na estratégia “espaguete”, jogando um monte de ideias na parede pra ver o que gruda.
Pode até funcionar, mas é mais sorte que juízo.
Conseguir decidir poucas prioridades pra colocar energia que vão ter um impacto desproporcional na performance da marca e do negócio aumenta exponencialmente suas chances de sucesso.
Foco em :
- Entender seu consumidor e encontrar um diferencial e mensagem chave (ao invés de uma lista interminável de claims)
- Encontrar seu produto carro chefe e tentar escalá-lo (antes de lançar mais um monte de novos produtos)
- Validar o modelo de geração de demanda e dobrar a aposta quando encontrar o caminho (ao invés de dividir poucos recursos em muitas táticas)
- encontrar o canal de venda mais relevante e ser um peixe grande num aquario pequeno (ao invés de celebrar o numero de portas que voce está, mesmo que o giro seja ínfimo).
Em resumo, foco em ter consciência de que está alocando seu tempo nas atividades com maior potencial de alavancagem, e não apenas no que é urgente.
Espero que essas reflexões estimulem conversas entre vocês e seus times nesse incrível desafio de criar e escalar marcas emergentes.
Para mais dicas sobre o assunto, visite o blog da Emerge Ventures .